Lá
estava eu, sentada no meio de uma sorveteria, enrolando para terminar aquelas
duas bolas de chocolate com menta. Chocolate com menta é, de longe, meu sabor
predileto. Ele é meio intrigante, sabe? Não consegue ser totalmente doce,
provoca uma sensação de geladinho mesmo depois de ter derretido. Eu gosto
dessas coisas meio indefinidas, que fazem a gente sorrir só porque fazem a
gente sorrir. É, eu sorrio por causa de sorvete. Se consigo chorar por coisas
bobas, qual o motivo de não sorrir por elas também?
Olhei para o lado e vi uma menininha, de uns seis anos, vidrada na minha taça
quase intocada. Ela se aproximou, tirou a colher da minha mão sem o menor
pudor, mergulhou naquele creme verde e fechou os olhos enquanto colocava rapidamente
na boca.
- - Eu não
sabia que meleca era tão bom assim.
- - Meleca?!
Não, não, isso não é meleca! É sorvete!
- -Mas... –
ela analisava a taça, olhava para a colher, olhava para mim sem entender nada.
Ela se sentou no banco que estava na minha frente e se debruçou sobre a mesa,
ainda tentando entender aquele mistério todo – É verde. É impossível não ser
meleca.
- -Na verdade
é menta. Sabe aquelas balinhas verdes e duras que vendem na escola e que os
adultos adoram? Então.
- -Ah, é
mesmo! Dá para fazer sorvete de bala, tinha esquecido. – ela parecia
entusiasmada.
- -Agora você
me pegou. Não sei se dá para fazer sorvete de bala...
- -Então como
se faz sorvete de tutti fruti? Só dá para fazer sorvete de tutti frutti com
bala de tutti frutti.
- -Nunca
tinha pensado nisso – é, realmente fazia sentido, também me debrucei sobre a
mesa e me permiti pensar sobre tudo, só por um momento - , como será que eles
fazem sorvete de algodão doce?
- -Ah, esse é
fácil! – ela começou a desenhar no ar, parecia estar diante de uma lousa
prestes a me explicar a origem do universo – Eles juntam um monte de algodão
doce, que não é feito do mesmo algodão que a gente usa quando se machuca, esse
vem de ovelhas diferentes, amassam bem amassadinho e colocam no congelador.
Pronto!
- -Nossa! É
isso! Agora tudo faz muito mais sentido.
- -É, é assim
mesmo. Também é assim que eles fazem sorvete de chocolate. Eles pegam o leite
na vaca especial, já que tem a vaca que faz o leite de morango, ela é rosa, a
que faz o leite sem gosto, que é aquela branquinha e a que faz o de chocolate,
que é mais marrom, e colocam no congelador. Eu acho que se eu conseguir um congelador
eu consigo fazer sorvete de tudo!
- -E qual
seria o primeiro sorvete que você iria fazer? – estava sorrindo
inexplicavelmente, talvez inocência fosse uma daquelas coisas capazes de gerar
sorrisos inexplicáveis.
- -Ah... Acho
que de brócolis.
- -Brócolis?!
- -É! Pensa
comigo, tudo é bom com sorvete, ele faz tudo ficar gostoso. Se eu fizesse
sorvete de brócolis ele ficaria bom, aí minha mãe nunca mais ia brigar comigo
por não querer comer verdura.
- -Inteligente
você, hein?
- -Será que
se eu fizer sorvete de amor, ele fica bom também?
- -Como assim
fazer sorvete de amor?
- -É, se
sorvete faz tudo ficar bom, deve fazer amor ficar bom. E amor é tipo
brócolis, é bom para algumas pessoas e para as outras não. Não é?
- -Mas amor é
sempre bom, não é?
- -Não acho.
Por causa dele meu pai saiu de casa. Disse que o amor da minha mãe fazia ele
sofrer. Sofrer é tipo doer, né?
- -Tipo... –
estava sem reação, perplexa e com vontade de chorar.
- -Amor não
era bom para os meus pais. Eu sei que ele é legal para muita gente, mas por
causa dele meus pais brigavam e gritavam um com o outro. Agora minha mãe
vive chorando pela casa, dizendo que não quer amar nunca mais – ela abaixou a
cabeça, olhou para os seus pezinhos balançando no ar e voltou a me encarar - .
Quando a gente nunca mais quer ver uma coisa, deve ser porque ela não fez bem
para gente, né?
- -É – ainda
estava sem reação.
- -Mas, se eu
conseguir fazer sorvete de amor, então ele vai ficar bom. Aí os meus pais
voltam a gostar dele e voltam a ficar juntos!
- -Mas, mas
como você vai conseguir juntar amor?
- -Essa é
fácil! É só eu sair tirando fotos.
- -Como assim
“só eu sair tirando fotos”?
- -É que o
amor está espalhado em um monte de lugares, aí que eu preciso achar, tirar uma
foto e ir juntando. Depois só colocar no congelador e pronto.
- - Como você
vai conseguir achar o amor? Ele não é algo difícil de se encontrar? – eu
realmente queria saber essa resposta.
- -Não é! Eu
vejo ele em todo lugar, mas acho que ninguém presta muita atenção. Tipo, quando
minha avó abraço o meu avô, lá tem amor. Quando a minha mãe me dá um beijo de
boa noite, tem amor também. E naquela moça que está ali na praça brincando com
o cachorro. Tem também quando a gente faz alguma coisa que gosta muito e se
sente feliz com isso. Amor está em todo canto, a gente só não presta atenção.
Essa era eu, totalmente anestesiada
pelas palavras de uma menina de seis anos.
- -Agora eu
tenho que ir. Preciso achar mais amor para conseguir fazer meu sorvete. Tchau.
- -Tchau.
Terminei meu sorvete de menta e
voltei para casa sorrindo, vendo amor em todo canto da rua.